Lorenzo Mammi e Agostinho: a música do tempo
- FERNANDA PANIAGO
- 15 de jun. de 2021
- 2 min de leitura
Atualizado: 29 de jun. de 2021
Partimos então da premissa musical para compreender os conceitos que em boa parte se estendem no texto de Lorenzo Mammi e, portanto, desenvolver filosoficamente o deslocamento entre as artes. O autor inicia seu argumento propondo uma retrospectiva histórica que contextualiza a atividade musical enquanto tradição e também resultado de um entendimento social e linguístico.
É a partir do pensamento do teólogo Santo Agostinho que se desenvolve a trama – aqui o termo empregado se justifica pela complexidade humana da narrativa – do entendimento temporal que é comum a todos os homens e, no pensamento agostiniano, é tratado pelo viés sensorial para exemplificar o que foge à matéria.
Ao encarar a obra de Agostinho enquanto uma sucessão de proposições que ao longo da vida do autor se desenvolvem, Mammi estabelece uma perspectiva que se assemelha ao assunto tratado no texto. Enquanto composição narrativa, aprópria visão dos livros do Santo como partes de um todo dão sentido didático à compreensão da forma.
Quando este então questiona logo no início a respeito da música e seu lugar no imaginário espacial ou temporal, propõe a ideia de Deus Modulator ao mesmo tempo em que conversa com o objeto estético:
“É modulatio qualquer movimento bem proporcionado que tenha seu fim em si mesmo. Em termos modernos, qualquer movimento belo que tenha finalidade estética.”
Conceito aqui apresentado em consonância é a apresentação do tempo como questionamento humano e sua resposta, também humana, para isso é a música.
Não é de se admirar a fidelidade com que a apreensão do abstrato temporal é plausível mediante os sentidos e especialmente, os sons melodiosos.
“Quando eu canto eu sei a forma da melodia, embora esta forma nunca esteja presente inteira nos sons que vou pronunciando”
A forma é entendida a partir da tensão que se estabelece na vontade, na própria intenção, e acaba quando não há mais o que tencionar.
O Deus Cantor abrange então a vontade circunstancial da existência humana. É Ele que em sua vontade determina como em uma canção e seus sucessivos sons o percurso natural não só do homem como de tudo que habita seu universo criativo. Ao abrirmos um parêntese com a narrativa bíblica, quando no livro de Gênesis é enunciado que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança é também apresentada a criatividade enquanto característica não apenas inerente ao humano como também divina. Ou para tal todo evento é resultado de uma ação voluntária, seja ela provinda de Deus (sua canção da existência humana) ou dos sons divinos, a própria humanidade.
Referência: MAMMI, Lorenzo. Deus cantor. In: NOVAES, Adauto (Org.). Artepensamento. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p.43-5
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