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  • 15 de jun. de 2021
  • 2 min de leitura

Atualizado: 29 de jun. de 2021

O texto que precede este argumento é pautado por uma dinâmica mais próxima do que poderia ser entendido enquanto aula, tendo em vista ser uma transcrição da apresentação oral feita por Gilles Deleuze em uma conferência, do que algo escrito para ser lido. De início essa própria designação do objeto comunicativo já serve como exemplo do que se explicita na mensagem. Deleuze aqui fala com e para pessoas e quando pergunta, por mais que a resposta possa ter acontecido em voz alta no auditório, suas palavras planam no ar tanto quanto suas ideias – até o momento que, como o próprio filósofo diz, “enquanto a palavra se eleva no ar, isso sobre o que ela nos fala nos afunda na terra.” (p.394). O tratado silencioso que permeia a filosofia é destrinchado em sua fala. A mesma dona dos questionamentos humanos é despida de sua característica até então primordial de falar sobre e responder acerca das questões multiformes e já não faz sentido abordá-la da mesma maneira. Justamente, compreender o campo do qual se fala e para quem se fala também é a resposta criativa do saber para os anseios, os quais não serão em absoluto resolvidos pela ideia. A necessidade da invenção é o “tenho algo a dizer para alguém” e esse algo se aproxima de praticamente toda atividade humana, para além da arte, a ciência, a matemática, o cinema. Como aponta Deleuze: “um criador não é um ser que trabalha por prazer. Um criador faz apenas o que ele tem absoluta necessidade de fazer.” (p.391). Assim como o que se diz, a forma pela qual se escolhe dizer é o meio e tão importante como, de tal maneira que é impossível dissociar a ideia de sua execução no plano comunicativo. Ao aprofundar a lógica da comunicação se apresenta o processo informativo. O filósofo Byung-Chul Han (2019), por exemplo, ao propor uma relação entre a presente e interminável rede de informações e a identificação pornográfica demonstra:


O velamento também erotiza o texto. Deus escurece, diz Agostinho, a Sagrada Escritura de propósito com metáforas, com o manto figurativo para torná-la objeto da cobiça. (...) Informações necessariamente não podem se ocultar. Elas são transparentes segundo sua essência. Elas simplesmente devem estar presentes. Desse modo, repelem a metáfora, a vestimenta ocultadora. Falam diretamente. (HAN, 2019; p.46-48)

De toda forma, a linguagem e seu encontro com o conteúdo servem ao interesse humano de comunicar a vida. Deleuze ao afirmar que a arte é a resistência contra a morte reitera algo que em língua portuguesa foi tão bem dito por Ferreira Gullar (2013): “O apodrecer é sublime e terrível. Há porém os que não apodrecem. Os que traem o único acontecimento maravilhoso de sua existência. Ouçam: a arte é uma traição.” (p.27) Ainda em tempo de processar a produção textual e sua relação com minha prática na pintura, espero que a máxima seja reiterada: “Vamos não morrer como um desafio?” (LISPECTOR, 2019; p.93) e que a imagem seja aquilo que a palavra não consegue ser, vice-versa.


Referência: DELEUZE, Gilles. O que é o ato de criação? In: DUARTE, Rodrigo. (Org.). O belo autônomo: textos clássicos de estética. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. p.387-398. GULLAR, Ferreira.1930- Poemas escolhidos/ Ferreira Gullar; organização Walmir Ayala. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013. HAN, Byung-Chul. A salvação do belo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.

  • 15 de jun. de 2021
  • 1 min de leitura

Atualizado: 29 de jun. de 2021

Escrevo sempre as palavras para um outro, a reserva da memória indica que haverá no acontecimento da verdade uma poesia.


Em suma, a conversa é de dois, de muitos, de um para o mesmo um, a volta que a palavra dá em si é mesmo uma volta inteira. Resido inteira na pele de ontem - a memória é aquela imagem que, percorrida, desacelera o olho. Imprimo a substância do eu, os Geraes que se encontram, a permissão concentrada dos meus, amo aquilo tudo ou sou aquilo tudo que amo e sou, qual é a palavra final que cabe sem ser mastigada dentro da boca, no fim mesmo e não no fim do texto, mas.


Acompanho, pego com a pontinha do pé a porta, seguro firme mesmo a porta com a ponta do pé. ainda é, o amor. E lembro: “O que está em jogo em todo encontro com a obra de arte nunca é esgotável no uso, mas pressupõe necessariamente a possibilidade de seguirmos as indicações interpretativas presentes na obra e assumirmos, para citar uma posição famosa de Gadamer, o diálogo compreensivo com o que ela tema nos dizer.”


Referência: CASANOVA, Marco Antonio. Heidegger e o acontecimento poético da verdade. In: HADDOCKLOBO, Rafael (Org.). Os filósofos e a arte. Rio de Janeiro: Rocco, 2010. p.151-180

  • 15 de jun. de 2021
  • 2 min de leitura

Atualizado: 29 de jun. de 2021

Partimos então da premissa musical para compreender os conceitos que em boa parte se estendem no texto de Lorenzo Mammi e, portanto, desenvolver filosoficamente o deslocamento entre as artes. O autor inicia seu argumento propondo uma retrospectiva histórica que contextualiza a atividade musical enquanto tradição e também resultado de um entendimento social e linguístico.


É a partir do pensamento do teólogo Santo Agostinho que se desenvolve a trama – aqui o termo empregado se justifica pela complexidade humana da narrativa – do entendimento temporal que é comum a todos os homens e, no pensamento agostiniano, é tratado pelo viés sensorial para exemplificar o que foge à matéria.


Ao encarar a obra de Agostinho enquanto uma sucessão de proposições que ao longo da vida do autor se desenvolvem, Mammi estabelece uma perspectiva que se assemelha ao assunto tratado no texto. Enquanto composição narrativa, aprópria visão dos livros do Santo como partes de um todo dão sentido didático à compreensão da forma.


Quando este então questiona logo no início a respeito da música e seu lugar no imaginário espacial ou temporal, propõe a ideia de Deus Modulator ao mesmo tempo em que conversa com o objeto estético:

“É modulatio qualquer movimento bem proporcionado que tenha seu fim em si mesmo. Em termos modernos, qualquer movimento belo que tenha finalidade estética.”

Conceito aqui apresentado em consonância é a apresentação do tempo como questionamento humano e sua resposta, também humana, para isso é a música.


Não é de se admirar a fidelidade com que a apreensão do abstrato temporal é plausível mediante os sentidos e especialmente, os sons melodiosos.


“Quando eu canto eu sei a forma da melodia, embora esta forma nunca esteja presente inteira nos sons que vou pronunciando”

A forma é entendida a partir da tensão que se estabelece na vontade, na própria intenção, e acaba quando não há mais o que tencionar.


O Deus Cantor abrange então a vontade circunstancial da existência humana. É Ele que em sua vontade determina como em uma canção e seus sucessivos sons o percurso natural não só do homem como de tudo que habita seu universo criativo. Ao abrirmos um parêntese com a narrativa bíblica, quando no livro de Gênesis é enunciado que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança é também apresentada a criatividade enquanto característica não apenas inerente ao humano como também divina. Ou para tal todo evento é resultado de uma ação voluntária, seja ela provinda de Deus (sua canção da existência humana) ou dos sons divinos, a própria humanidade.


Referência: MAMMI, Lorenzo. Deus cantor. In: NOVAES, Adauto (Org.). Artepensamento. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p.43-5

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